“Reconhece a queda e não desanima./ Levanta, sacode a poeira/ E dá a volta por cima.”
(Volta por cima, de Paulo Vanzolini)
Muita gente acha que o sofrimento causado pelo rompimento de um relacionamento amoroso tem a sua principal origem na perda do amor do parceiro. Embora este realmente seja um motivo importante deste tipo de sofrimento, muitas vezes ele não é o mais importante. Os principais danos produzidos pelo término de um relacionamento que já está plenamente estabelecido são os seguintes: dores de amor, rebaixamento da autoestima, vazio provocado pela perda da companhia do parceiro, perda da identidade de casado, prejuízos nas ligações sociais, invalidação de planos de vida e perdas econômicas.
Vamos examinar alguns desses danos e a forma de lidar com eles na clínica psicológica.
Quando o amor provoca sofrimentos
O amor pode ser fonte de intensos prazeres e, infelizmente, de imensos sofrimentos. Vamos examinar agora algumas das principais circunstâncias onde o amor provoca sofrimentos, os motivos desses sofrimentos e algumas formas de aliviá-los.
- Amor não correspondido. Muita gente se apaixona unilateral e silenciosamente e, quando vai verificar se é correspondida, constada que o amado não sente o mesmo e, além disso, elimina todas as esperanças que isso possa acontecer no futuro (“Você não é o meu tipo”; “Estou apaixonado por outra e espero continuar assim”, etc.). O amado, muitas vezes, nem desconfiava do amor que inspirava em quem está fazendo esta revelação. Quase ninguém se satisfaz apenas por estar apaixonado, independentemente da retribuição do parceiro. Pelo contrário, a satisfação depende fortemente dessa reciprocidade.
- Amor que se extinguiu unilateralmente após ter sido correspondido. Segundo alguns teóricos dessa área, quando o amor foi correspondido anteriormente, mas uma das partes deixou de amar, essa perda da correspondência cria uma espécie de síndrome da abstinência – o apaixonado não correspondido apresenta reações semelhantes àquelas exibidas por um drogado que parou repentinamente de tomar a droga: após certo tempo, ele começa a experimentar sofrimento intenso, alterações fisiológicas, alterações do sono, alterações motivacionais, pensamentos intrusivos e obsessivos sobre o amado. Todas estas manifestações podem durar até que a dependência se enfraqueça, o que pode levar um bom tempo.
- Amor que perdura, embora o relacionamento seja ou tenha se tornado impossível. Muitas vezes os parceiros se amam, mas não podem se unir (por exemplo, ambos são casados e não se sentem em condições de terminar seus casamentos). Outras vezes, aconteceu algo muito grave entre eles e isso inviabilizou a continuidade de seus relacionamentos. Por exemplo, um dos parceiros cometeu algo que o outro considerou grave e imperdoável e isso levou-o ao termino do relacionamento .
Medidas para diminuir o apaixonamento
Esses casos onde há amor, mas ele não é correspondido ou o relacionamento entres os amantes é impossível, são muito doloridos e paralisantes (por exemplo, os envolvidos perdem o sono, alteram o apetite, perdem a motivação para outras atividades e pensam obsessivamente no amado).
Muita gente procura o meu consultório pedindo ajuda para aliviar este sofrimento atroz e para que suas vidas possam sair da paralisia. Para ajudar essas pessoas desenvolvi uma técnica terapêutica que foi baseada na inversão da teoria do apaixonamento de Stendhal. Essa teoria é uma das mais aceitas entre os estudiosos deste tema. Ela afirma que para haver amor são necessários alguns requisitos, entre os quais, a admiração e a esperança de reciprocidade.
Essa técnica tem que ser usada com o auxílio de um psicólogo porque durante sua aplicação aparecem muitos fatos imprevisíveis que devem ser cuidados através de outras medidas terapêuticas (por exemplo, a pessoa revive outras situações de abandono na infância).
Sumariamente, esta técnica é a seguinte:
- Desidealizar o parceiro.
Um dos ingredientes essenciais do amor é a admiração pelo amado. Por isso, uma forma de desapaixonar é diminuir essa admiração. A admiração pode ser diminuída através do combate à idealização do parceiro. Existem várias evidências de que boa parte da admiração é fruto da idealização. Por exemplo, (1) existem estimativas que os esposos que convivem há muito tempo só conhecem cerca de 50% das características mútuas; (2) todos nós tendemos a cuidar da imagem que projetamos para os outros: tentamos ocultar nossos defeitos e ressaltar nossas qualidades. Isso contribui para que o outro tenha uma imagem distorcida a nosso respeito; (3) quem ama tende a exagerar as qualidades do amado e a minimizar ou a não focalizar seus defeitos. Uma evidência desse fenômeno foi apresentada por uma pesquisa que verificou que quem ama avalia o amado muito melhor do que os amigos o viam. Diga-se de passagem, que os amigos já idealizam bastante as qualidades dos outros amigos.
Uma forma de diminuir o apaixonamento é “corrigir” estas distorções demasiadamente otimistas sobre o amado rejeitador. Uma forma de fazer isso é questionar a percepção das suas qualidades e dedicar tempo para pensar e conversar sobre os seus defeitos. Pouco a pouco estes pensamentos ruins sobre o parceiro vão minando os sentimentos amorosos em relação a ele.
- Associar as lembranças do amado com coisas ruins.
Essa medida tem efeito semelhante à anterior. Ela consiste na associação pura e simples de lembranças positivas do amado com eventos desagradáveis. Por exemplo, imediatamente após lembrar do seu sorriso maravilhoso, obrigar-se a lembrar nitidamente de uma ocasião onde ele se comportou de forma muito desagradável com você. Repassar na sua imaginação estes acontecimentos negativos, tal como você estivesse assistindo a um filme desagradável. Estas associações das boas lembranças do parceiro com as ruins vão diminuindo a conotação positiva que ele tem para você. Quanto mais intensas e vívidas as imagens negativas usadas nessas associações, mais eficazes elas são.
- Pôr a esperança à prova.
Caso ainda haja esperança de reciprocidade amorosa por parte do parceiro, o que resta fazer é ir atrás dele e conferir se tal esperança é alicerçada em fatos. Caso o seja, o relacionamento é reassumido e o tratamento pode ser interrompido devido ao final feliz. Caso fique claro que a esperança era ilusória, haverá uma dor intensa, mas de curta duração, e, então, o amor se extinguirá.
- Amor com amor se cura.
Nada melhor do que se envolver com outra pessoa para esquecer um antigo amor e melhorar a autoestima. Por outro lado, este remédio pode ter efeitos colaterais piores do que a doença: quem ainda não está curado de um amor frustrado tem mais chance de se envolver com outro parceiro que também seja inadequado.
Baixa na autoestima provocada pelo fora
Geralmente o “fora” produz um rebaixamento na autoestima. Os efeitos do fora em si, que independem das outras consequências abordadas nos outros tópicos desse artigo, ficam claros quando uma pessoa já ia terminar o relacionamento, mas a outra toma essa iniciativa primeiro. Quando aquela pessoa que já ia terminar o relacionamento leva o fora, a sua autoestima pode diminuir devido à rejeição explícita por parte da outra pessoa. Essa rejeição, além de rebaixar a autoestima, também indica que o parceiro que a tomou está autoconfiante e equilibrado.
A maneira correta de interpretar os significados e os motivos do fora contribuem para que os danos à autoestima não sejam exagerados e possam ser recuperados mais rapidamente. Uma parte desta “maneira correta” é ver como natural e esperado que várias tentativas de inícios de relacionamentos sejam realizadas e que vários relacionamentos já iniciados não durem muito, antes que um relacionamento satisfatório e duradouro seja estabelecido. Aqueles que atribuem significados profundos ao fora e acreditam que ele foi motivado exclusivamente pelos seus deméritos geralmente sofrem mais do que aqueles que são mais realistas neste tipo de interpretação. Trata-se de uma distorção bastante pessimista atribuir todos os foras aos defeitos pessoais e esquecer os problemas de quem deu o fora (por exemplo, o parceiro pode ter dado o fora porque não consegue assumir compromissos, porque pode estar estressado ou porque está deprimido) e as circunstâncias que podem ter contribuído para este acontecimento (por exemplo, o parceiro pode estar dando mais uma oportunidade para uma pessoa de quem ele gosta menos do que de você simplesmente porque tem filho com ela e está pensando mais no interesse dele).
Desintegração de setores da vida de quem se separa
O fora pode acontecer a qualquer momento, desde os primeiros momentos do início do relacionamento (por exemplo, durante as primeiras tentativas de flerte que podem não ser correspondidas ou as primeiras conversas que fracassaram), até o término de um casamento que já existe há bastante tempo.
À medida que o tempo de relacionamento vai aumentando, existe uma tendência de os parceiros amorosos irem integrando vários setores de suas vidas: lazer, compromissos, atividades econômicas, apoio psicológico, atividades sexuais e planos para o futuro. Quanto maior o grau de integração nestes setores, maiores os problemas que terão que ser enfrentados em decorrência da separação. Muitos dos desconfortos produzidos pelos danos nestes setores são confundidos com o amor não correspondido. Por exemplo, é muito difícil saber quanto do desconforto é produzido pela rejeição amorosa, quanto é produzida pela falta de programa no fim de semana e pela decomposição da identidade de casado.
A reparação deste tipo de dano da separação consiste em refazer, o mais rápida e eficientemente possível, aquilo que foi prejudicado pela separação. Este tipo de recomposição da vida de quem acabou de sair de um relacionamento pode ser bastante agilizado com o auxílio de um psicólogo
· Desintegração da vida social de quem se separa
Quando o fora acontece logo no início do relacionamento, é mais provável que os parceiros ainda não tenham integrado os seus círculos de relações. Além disso, quando eles não têm outros tipos de relacionamento entre si (por exemplo, não têm relações comerciais entre si), os danos ocasionados pelo fora ficam mais restritos à auto-estima, à hetero-imagem e à visão das dificuldades para iniciar um relacionamento amoroso.
Danos para a heteroimagem. É possível que o fora provoque algum dano para a imagem social daquele que o recebeu: aqueles que tomem conhecimento deste acontecimento podem passar a valorizar mais quem foi rejeitado. É por isso que muita gente fica desconfortável quando leva um fora em público ou disfarça quando alguém pergunta sobre quem terminou o relacionamento.
· Desintegração de parte da identidade de quem se separa
Quanto mais o parceiro que recebeu o fora incluiu o parceiro rejeitador na sua identidade pessoal e pública, maior vai ser o dano provocado pelo fora. (“Deixamos de ser eu e tu e nos tornamos nós”). Aquele cujo relacionamento foi desfeito terá que refazer, o mais rapidamente possível, o seu autoconceito de “eu sozinho”. O auxílio de um psicólogo pode ajudar muito a acelerar este processo.
“Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”
Fonte: Ailton Amélio - doutor em Psicologia e professor do Instituto de Psicologia da USP. Autor dos livros "Relacionamento amoroso" (Publifolha), "Para viver um grande amor" (Editora Gente) e "O mapa do amor" (Editora Gente).